O preço médio do litro do diesel nos postos do país demorou mais de um ano para voltar ao patamar pré-guerra na Ucrânia. Quase 14 meses depois do estouro do conflito, o litro voltou a custar R$ 5,76 na semana passada, segundo o levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A primeira ofensiva de Putin contra Kiev, em fevereiro de 2022, causou um choque global e a disparada repentina nos preços de energia. O barril de petróleo, que é referência para a formação de preços do diesel, arrancou ao pico de US$ 140 em meio à incerteza das consequências da invasão, e trouxe impactos imediatos para a inflação em todo o mundo.
No Brasil, houve um duplo efeito: além dos preços de petróleo mais altos, o câmbio também havia disparado. A guerra por si só causa aversão a risco entre investidores, e tira dólares de economias em desenvolvimento. Por aqui, ainda havia a incerteza das eleições presidenciais para agravar o quadro.
Essa equação levou o preço do diesel de uma média de R$ 5,81 o litro na primeira semana de março para um pico de R$ 7,57 o litro em junho. Dali em diante, o recuo foi gradual, conforme o mercado de energia foi se reencaixando.
Ainda que o conflito entre Rússia e Ucrânia prossiga até os dias de hoje, os choques inflacionários se reduziram, e dólares voltaram às economias emergentes. Além disso, as altas das taxas de juros em todo mundo frearam a economia global e reduziram a procura por energia, como o petróleo.
Nesta reportagem, você relembra, em tópicos, como o diesel chegou até aqui e quais as perspectivas adiante.
Combustíveis como vilões da inflação
A desoneração de impostos federais
Uma nova tentativa: redução do ICMS
Alívio do petróleo, mas com ameaça da Opep
Economia global e um dólar mais tranquilo
Combustíveis como ‘vilões da inflação’
A paralisação da economia com a chegada da pandemia de Covid-19, em 2020, reduziu drasticamente os preços dos combustíveis em todo o mundo. Conforme os mercados foram reabrindo, houve um primeiro choque de demanda em vários insumos industriais e commodities.
À época, o mundo enfrentava uma série de incertezas sanitárias, enquanto tentava balancear uma retomada de atividade econômica e empregos. Um dos símbolos desse processo foi o aumento de preços de energia, que passaram a romper o patamar pré-pandemia no início de 2021.
No próprio levantamento da ANP, é possível observar que o valor médio do litro do diesel subiu 45% entre o começo e o fim de daquele ano, saindo de R$ 3,675 para R$ 5,336. Meses depois, a Rússia invadiria a Ucrânia, criando um novo choque no mercado — desta vez pelo lado da oferta.
Como especialistas explicaram na época, a produção de insumos energéticos demora a se adaptar à demanda. O resultado foi de que, em meados de 2022, os combustíveis eram um dos protagonistas de uma inflação em 12 meses na casa dos 12%.
No Brasil, em que carros de passeio não andam a diesel, o preço do combustível escorre para outros produtos e impacta preços de fretes, como alimentos e outros insumos essenciais.
O economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do FGV-Ibre, destaca que, apesar de o diesel não ter efeitos diretos sobre a inflação, há um impacto indireto “gigante” — e difícil de mensurar.
“As máquinas no campo, o transporte de grãos e mercadorias, os ônibus do dia a dia para ir ao trabalho: todos são movidos a diesel. Então, quando você vê um aumento nesse combustível, o produto da feira livre fica mais caro, a passagem que o trabalhador paga todos os dias pode subir. O diesel é o combustível que está por trás da movimentação da nossa economia”, diz.
A desoneração de impostos federais
Ainda durante a subida de preços em 2021, o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma primeira tentativa de aplacar os valores de derivados de petróleo, zerando os impostos federais sobre o diesel e o gás de cozinha.
Houve recuo, mas o efeito é limitado dentro da formação de preços dos combustíveis no Brasil. Além dos tributos federais, há incidência ainda de impostos estaduais, do lucro de distribuidoras e de revendedoras. Por fim — e um dos principais fatores —, vale o preço cobrado pela Petrobras nas refinarias.
A Petrobras baliza os valores com base no preço de paridade de importação (PPI). A política oficial de preços da estatal foi criada em 2016, orientada pelas flutuações do preço do barril de petróleo no mercado internacional e pelo câmbio.
Com o início da guerra da Ucrânia — junto com a disparada do dólar e a crise de produção do petróleo —, a medida não resistiu ao aumento de preços.
Uma nova tentativa: redução do ICMS
As alternativas para conter a alta dos combustíveis continuaram custando aos cofres públicos. Duas principais medidas foram adotadas durante o governo de Jair Bolsonaro. Além da desoneração de impostos federais, o governo apelou a uma limitação do ICMS (imposto estadual) sobre itens essenciais, o que incluía os combustíveis.
Em conjunto com o Congresso, o governo Bolsonaro aprovou, em março de 2022, um projeto que determinou alíquota única no ICMS de combustíveis para todos os estados, mudando sua base de cálculo e o “efeito cascata” sobre os preços. O mesmo texto manteve os impostos federais (PIS/Pasep e Cofins) sobre diesel, gás de cozinha e biodiesel zerados até o fim daquele ano.
Sem o freio desejado e na contagem regressiva para as eleições, em junho de 2022, houve uma nova tentativa de frear a alta dos preços, ao sancionar o chamado “teto do ICMS”, que restringiu o imposto a uma faixa inferior a 18% sobre combustíveis.
Essa última medida conseguiu de fato abaixar na marra os preços da gasolina no país, uma pauta estimada pela classe média. A gasolina era vendida com alíquotas de ICMS que superavam 30% em alguns estados, de acordo com a Fecombustíveis.
Mas o mesmo impacto não atingiu os preços do diesel: o modelo de cobrança da maioria dos estados já previa um ICMS abaixo do teto. Assim, os preços do diesel só começaram a baixar, de fato, quando o dólar deu trégua e o barril do petróleo ficou mais barato.