Sempre se disse que a atual eleição seria uma batalha de rejeições. Na reta final, três semanas até o primeiro turno, tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto Jair Bolsonaro investem em mitigar esse fator na expectativa de cumprir seus objetivos — o do petista, tentar vencer já em 2 de outubro; o do presidente, romper uma barreira que, hoje, torna sua reeleição inviável.
Lula vem enfrentando o antipetismo há mais tempo, de forma mais consistente. Contaram pontos para isso as anulações em série das condenações a ele impostas no âmbito da Lava-Jato e a obra de três anos e oito meses de governo Bolsonaro, como fator de comparação em diferentes setores.
Deixou de negar a ocorrência da corrupção, principal fator negativo associado a ele e ao PT, e passou a dizer que a apuração só foi possível graças à autonomia de que seus governos e os de Dilma Rousseff dotaram os órgãos de controle.
Bolsonaro resolveu se dedicar a tentar reverter a aversão que gera em pelo menos 50% do eleitorado na última hora, e o resultado é menos crível. O teatro começou a ser encenado num podcast transmitido em pool por influenciadores evangélicos na segunda-feira.
Com ar compungido, o presidente se disse arrependido de ao menos uma das dezenas de declarações de desdém com a pandemia que deu ao longo dos últimos dois anos e meio: a de que não era “coveiro”, proferida quando havia 2.500 mortos.
Agora que os cadáveres são mais de 685 mil e que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se tivesse havido vacina mais cedo e um protocolo sanitário claro do governo federal, em harmonia com governadores e prefeitos, resolveu dizer que deu uma “aloprada”.
O cálculo fica evidente quando ele, ato contínuo, reafirma a defesa do tratamento precoce e de medicamentos sabidamente ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina.
Da mesma maneira, a tentativa, ao longo das quase cinco horas de entrevista, de soar arrependido de frases misóginas como a dedicada à própria filha, a quem chamou de “fraquejada”, vem acompanhada de novas manifestações da mesma natureza, como dizer que é “comum” entre homens que estão à espera de bebês discutir se serão “fornecedores” ou “consumidores”.
A rejeição maciça a Bolsonaro tem sua gestão da pandemia como marco. Foi a partir dali que uma parte do eleitorado de 2018 se foi para nunca mais voltar. É por isso que perguntas sobre vacina e suas atitudes o irritam quando em debates ou entrevistas, e não em ambientes controlados, como os podcasts amigos.
O presidente imaginava que, com a melhora da economia e as benesses artificialmente concedidas, aplacaria essa rejeição brutal, mas isso não ocorreu. Quem analisa pesquisas qualitativas entende algumas das razões.
Os eleitores de classes D e E não votavam em Bolsonaro e continuam não votando, mesmo com o Auxílio Brasil. Têm a memória viva de que Bolsonaro cortou o Auxílio Emergencial em janeiro de 2021, no auge da pandemia e antes da vacina. E, por isso, não acreditam que manterá os R$ 600 caso reeleito.
Nas classes A e B, que se beneficiam da melhora do ambiente econômico e da redução dos combustíveis, Bolsonaro já vai melhor.
E na classe C, que ele precisaria atingir, a inflação de alimentos ainda castiga o bolso de quem vota. As pessoas relatam ter trocado arroz e feijão por macarrão, numa tradução cristalina da piora da vida no que ela tem de mais básico, o direito à alimentação.